O sertão que virou mar
Gustavo Nolasco, jornalista, e Leo Drumond, fotógrafo, tinham uma ideia na cabeça: viajar pelo rio São Francisco, da nascente em Minas Gerais à foz entre Sergipe e Alagoas, e fazer um livro sobre a vida da população ribeirinha, tendo o Velho Chico como pano de fundo. Antes de embarcar, decidiram que seu roteiro seria as pessoas cujas vidas estavam ligadas àquelas águas desde o batismo: os Franciscos e Franciscas que encontrassem pelo caminho. Depois de quatro viagens de mais de seis
meses no total, eles tinham tanta coisa para mostrar e contar que fizeram Os Chicos (Nitro Editorial, R$ 30) em dois volumes: um para as histórias, outro para as fotos, como esta que mostra um pôr do sol chuvoso na barragem de Sobradinho (BA).
Duas margens do rio, dois lados do progresso
A vida dos Chicos e das cidades ribeirinhas se relaciona com a do rio, enfrentando altos e baixos conforme a importância e a saúde do São Francisco oscilam. Na primeira metade do século 20, quando cerca de 30 barcos a vapor faziam do rio uma importante via de ligação entre o Sudeste e o Nordeste, Juazeiro, na Bahia, era uma cidade importante. "Depois vieram as rodovias, Petrolina (cidade pernambucana na outra margem) cresceu, e Juazeiro ficou para trás", diz Drumond. Barragens como a de Três Marias trouxeram energia, mas acabaram com berçários de peixes. “Esse menino [na foto da página à direita] é o Francisco, de uma família de pescadores — o pai e o irmão também se chamam Francisco. E você vê que ele é um garoto que se alimenta mal, como é magro e pequeno. É o retrato de como hoje a vida de pescador é complicada por lá.”
2) Estátua de São Francisco de Assis à margem de Juazeiro (BA), mirando Petrolina (PE)
3) Temporal sobre a barragem de Três Marias (MG), a maior das cinco que há no rio
4) Um Francisco volta da pesca em Canindé do São Francisco (SE), que já teve dias melhores
Vida e morte franciscana
Com mais de 2.800 metros de extensão, o São Francisco irriga cinco Estados: Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe.
Em cada lugar, a população estabelece uma relação diferente com o rio, mas um traço é comum em todo canto, especialmente no longo trecho de sertão que o rio atravessa. “O sertanejo tem uma tradição católica muito forte e a gente percebe uma ligação disso com o rio, que é fonte de água e comida, mas isso já foi mais forte”, diz Drumond. “Até porque a gente vê que o rio está enfraquecido. O surubim do São Francisco sempre foi famoso, porque é um peixe de muita carne e pouca espinha. Mas ele está virando história de pescador. A maioria do surubim que se come na beira do rio hoje vem de fazendas do Mato Grosso.”
5) Meninas à margem do rio em Bom Jesus da Lapa (BA)
6) O mascote do livro tinha apenas 1 ano quando foi clicado, no colo da mãe, em Cabrobó (PE)
7) Cemitério alagado pelo rio em Piaçabuçu (AL), onde o Velho Chico morre no mar