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sexta-feira, 15 de novembro de 2013

CABRÁLIA: Sem Coragem Para Denunciar a Própria Violência Sofrida



Ao longo dos séculos o preconceito tem definido o direcionamento da violência de um determinado grupo maior sobre os pequenos grupos, com a formação desse grupo abrangendo diversos espectros dessa cadeia de mortes e agressões, como a etnia, a religião, os times de futebol e o gênero.

O gênero masculino tenta, seguindo o conceito social de ser mais forte, sobrepujar o gênero feminino, e para isso o uso da força bruta se sobressai como meio regular de impor essa superioridade que não existe. A violência contra a mulher nem sempre é quantificada nas estatísticas, e mesmo que esse instrumento seja um importante gerador de gráficos para estabelecer as variações e locais de maior incidência, é enganoso se fundamentar somente em pesquisas numéricas para a obtenção do entendimento sobre o problema. As mulheres, como todas as minorias marginalizadas, vivem situações que contribuem para o mascaramento das estatísticas.

Se nas comunidades (favelas, vilas, concentrações de baixa renda) o tratamento majoritário dado à mulher a faz sentir discriminada, isso quando elas não sofrem abusos sexuais, que são praticados pelos próprios agentes encarregados de aplicar a lei, como é apresentado no trabalho da Anistia Internacional assinado por Peter Benenson House (2008):

“As mulheres relataram ainda diversos casos de abuso sexual por parte de policiais nas comunidades. No entanto, é difícil ter uma ideia da verdadeira extensão desses abusos, pois pouquíssimos casos são denunciados oficialmente e raros são investigados.” (PETER BENENSON HOUSE, 2008, pág. 46)

Para o estabelecimento de estudos estatísticos as fontes mais comuns recorridas são oriundas do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM) da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde, que tabula as mortes baseadas na legislação brasileira que estabelece que nenhum sepultamento pode ser feito sem a certidão de registro de óbito. Entretanto, o feminicídio não é a única forma de violência contra a mulher.

A mortalidade feminina às vezes é causada pela falha anterior em evitar que algo fosse feito contra os agressores. Nessa tentativa de evitar o feminicídio, a Lei Maria da Penha como precursora de uma proteção específica contra as mulheres, não foi e nem tem sido capaz de reverter o quadro de feminicídio, conforme nos diz Waiselfisz (2012):

“Se no ano seguinte à promulgação da lei Maria da Penha – em setembro de 2006 – tanto o número quanto as taxas de homicídio de mulheres apresentaram uma visível queda, já a partir de 2008 a espiral de violência retoma os patamares anteriores, indicando claramente que nossas políticas ainda são insuficientes para reverter a situação”. (WAISELFISZ, 2012, pág. 17)

Isso se dá porque a lei serve apenas como um instrumento que foi colocado nas mãos de policiais, sem treinamento para lidar com as diversas situações que lhes são trazidas na confecção dos boletins de ocorrência.

Ao se depararem com a falta de sensibilidade e trato adequado de um agente da lei, o constrangimento sentido ao relatar sua vitimização oriunda em grande parte pelos próprios pais, maridos, namorados e outros parentes abusadores, faz as vítimas perderem a vontade de falar e muitas vezes escondem o teor completo de suas ocorrências, que vão desde agressões físicas até a casos de estupro.

A violência psicológica e mais difícil de ser qualificada, é uma realidade que precisa ser estudada e desse estudo originar melhores meios de combate à essa modalidade de violência. Nesse contexto nos adverte Silva (2010):

“É o caso, por exemplo, das violências psicológicas a que algumas mulheres estão sujeitas devido ao estigma que carregam na sociedade contemporânea. Vários desses preconceitos podem estar presentes em um mesmo grupo de indivíduos, no qual o imaginário social coletivo tenha tomado esses valores como norma, difundindo-a através da cultura”. (SILVA, 2010, pág. 567)

E assim, perdendo a coragem de relatar crimes contra a liberdade sexual, como o estupro, as vítimas deixam de fornecer dados significativos para a transparência estatística desses crimes. Por sua vez, alguns desses crimes que poderiam ser impedidos de continuarem ou até de se agravarem em perdas de vidas, passam a alimentar mais os quadros de informações.

Em algumas situações, muito abundantes em Estados cuja presença da Polícia Judiciária é pífia, tendo delegacias que somente funcionam durante o dia ou uma delegacia da mulher inacessível devido aos horários de funcionamento e sua localização, as vítimas ao comparecerem já apresentam substancial prejuízo das evidências e vestígios físicos e materiais que nelas foram deixados. O pior acontece quando a polícia científica não possui a capacidade técnica, tecnológica e nem de pessoal para o correto procedimento com esse tipo de crime.

E ainda há o problema de fornecimento de informações para alimentar o banco de dados gerador de diagnósticos que são apresentados em importantes estudos sobre o avanço da criminalidade. A credulidade dos Estados fica abalada quando não há uma responsabilidade em fornecer dados estatísticos e como exemplo disso, Renato Sérgio de Lima (2013, pág. 23) coordenador do Anuário de Segurança Pública 2013, nos alerta que o Rio Grande do Norte foi o único Estado classificado no Grupo 3, isto é, que possui alta qualidade de captação de informação e que não alimenta o adequadamente o SINESPJC e o Amapá, único no Grupo 4, com baixa qualidade de captação de dados e que não alimenta o SINESPJC adequadamente.

Sem ser uma fonte alimentadora adequada de informações, dizer que o número de estupros entre 2011 e 2012 diminuiu no Rio Grande do Norte é um contrassenso perceptível, pois no país da Lei Maria da Penha houve um aumento em 2012 de 18,7% de estupros em relação a 2011, um número que supera o índice geral de homicídios dolosos.

O número da Central de Atendimento à Mulher, o 180, não muito divulgado, é um meio que ainda não mostra seu potencial para o combate à violência contra a mulher.

A falta de divulgação dos meios de denúncia, campanhas de reeducação de adultos, a promoção da igualdade de gêneros na educação, desde de crianças até adultos, ajuda a manter o distanciamento da mulher em relação à polícia e/ou entidades de proteção. De nada adianta termos meios, se eles não são amplamente divulgados, se nossa própria polícia continua apresentando um comportamento machista e tendencioso contra as minorias.

Enquanto não houver mais investimento na divulgação dos meios de denúncia, na facilitação de acesso à segurança e o fim do constrangimento provocado nas vítimas de crimes contra a liberdade sexual, a afirmação matemática de que os números não mentem não se aplicará às ciências sociais, pois quem os fornece pode determinar equívocos nas variáveis da equação social cuja finalidade é a solidificação de uma sociedade que respeite os diferentes, as minorias e, sobremodo, as portadoras dos ventres de onde todos se originam e a quem todos devem um respeito bem maior do que o que elas atualmente recebem.
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