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quinta-feira, 29 de maio de 2014

Perto do luxo do C.T da seleção brasileira, cenário de guerra há 3 anos

Por André Linares, Lucas Borges e Paulo Cobos, de Teresópolis-RJ


Otávio dos Santos sobrevive quebrando as mesmas pedras que destruíram seu bairro, em TeresópolisEram 12h da última quarta-feira, 28 de maio, quando a reportagem da ESPN Brasil encontrou Otávio dos Santos martelando enormes pedaços de pedra no bairro do Campo Grande, em Teresópolis, a 14km da Granja Comary, onde a seleção brasileira se prepara antes do início da Copa do Mundo de 2014.

As mesmas rochas que em janeiro de 2011 desceram os morros da região com a força da água destruindo tudo o que estivesse pela frente se tornaram o sustento do senhor de 60 anos. Ele vende cada metro de pedra por R$ 40. "Perdi muito parente aqui. Mas tenho que seguir na luta, hoje sobrevivo vendendo minhas pedrinhas."

O desastre provocado pelas chuvas que assolaram a Região Serrana do Rio de Janeiro há três anos é considerado a maior tragédia natural da história do país, uma das dez piores do mundo neste século, segundo a ONU - Organização das Nações Unidas. "Foi um tsunami da serra", define Alexandre Foti Capelle, 72 anos, antigo morador do local.

Números oficiais contabilizaram pouco menos de mil mortos, cerca de 300 em Teresópolis, mas a comunidade do Campo Grande garante que só no distrito foi muito mais.

"Aqui em cima dessa rua foram 160 mortos, 70 são familiares e pessoas próximas dele", diz Marcos Vidal apontando para o amigo José Luís, que até hoje não encontrou os corpos de sua mãe e de sua sobrinha. "Tive sorte que minha casa fica no alto, de lá eu vi tudo, virou um grande mar. Consegui socorrer duas crianças que estavam em cima de um prédio. Uma terceira morreu."

Catarino Lopes também foi vítima. "A prefeitura anunciou que morreram 88 no Campo Grande. Mas parente meu foram 25, mais 17 agregados. É metade. Ouvia pessoas gritando e não podia fazer nada. Disseram que a velocidade da água chegou a 400 km por hora, que é a velocidade de um carro de Fórmula 1. Agora, imagine pedras gigantes e árvores passando no meio das casas com essa força."



Terra tomou conta de casas no Bairro do Campo Grande

Os corpos encontrados eram colocados no gramado do Posse Futebol Clube, time de várzea local e de lá eram levados por helicópteros.

Sem futuro

O fenômeno não tem precedentes recentes na região, mas segundo geólogos, deslizamentos desse tipo acontecem há milhões de anos por ali e podem se repetir a qualquer momento. Apesar do trauma e do aviso, muitas pessoas não arredam pé.

Elias Danta conta que inicialmente foi informado pelo INEA - Instituto Estadual do Ambiente - de que sua pousada não seria afetada pela construção de uma represa perto da propriedade, mas que o sítio de um influente vizinho - "o governador desce de helicóptero para falar com ele", relata -, teria o terreno comprometido. Depois de ter reformado seu patrimônio, Danta descobriu que os planos mudaram e que ele pode, sim, ser obrigado a ir embora.




Igreja destruída pelas chuvas em Teresópolis

Catarino diz ter recebido uma proposta de indenização por parte do INEA de R$ 55 mil para abandonar a própria casa, mas garante que a quantia é insuficiente: ele reclama que os preços dos terrenos nos arredores saltaram de R$ 30 mil para R$ 90 mil. Alguns aceitaram o dinheiro e hoje vivem de aluguel.

"Essa Copa do Mundo é a mais cara da história, gastaram mais de R$ 1 bilhão com estádio e nada de casa pra mim? Se o Estado tirou R$ 500 milhões pro Corinthians construir estádio por que eu também não posso ganhar? O Corinthians não paga imposto, o Flamengo não paga imposto, esses times devem milhões, mas eu pago. Vai fazer Copa na Inglaterra, nos Estados Unidos, no Japão e na Coreia que lá já está tudo pronto. Eu que não vou torcer pro Brasil nessa porcaria."

Questionado pelo ESPN.com.br, o INEA declarou que "o valor das indenizações é regulado por decreto estadual, que rege o processo de negociação com as famílias" e que as remoções acontecem "com base em levantamentos aerofotograméticos e trabalho de campo, que definiu as áreas com alto risco de inundação próximas aos rios da região e que foram mais atingidas pelas fortes chuvas."

Próximo à Granja Comary, Teresópolis ainda se recupera do desastre de 2011

Desgraça democrática

A tragédia no Campo Grande tem uma particularidade: atingiu ricos e pobres, sem distinção de classe. Em determinados trechos do Córrego do Príncipe, cujo curso teve que ser refeito pelos moradores locais depois da inundação, paredes de concreto foram construídas e é impossível dizer que até pouco tempo tudo estava devastado. Bonitas mansões e até um clube de golfe decoram a paisagem, na qual residem celebridades da cena musical.

Em outros pontos, o cenário ainda é de guerra, e paredes e vergalhões de antigas casas ‘harmonizam' com pedregulhos que ameaçam invadir a água. Em algumas moradias, até hoje falta luz. "Nesse ponto tiraram uma ponte de ferro, que aguentou firme enquanto a coisa estava feia, para colocar isso, que nem ponte é", reclama José Luís em cima de uma estrutura de cimento usada para passagem de carros e pedestres.

O uso dos recursos públicos que deveriam ser empregados na reconstrução da cidade é alvo de enorme desconfiança, com razão. Ninguém tem conseguido se fixar no cargo de prefeito de Teresópolis.

Mário Jorge foi cassado em 2011 por mau uso de verbas. Seu vice, Roberto Pinto, assumiu e faleceu dois dias depois. O poder ‘caiu no colo' de Arlei Rosa, na época presidente da Câmara municipal. Mário Tricano venceu eleição em 2012, mas teve o registro negado por possuir ficha suja. Arlei Rosa, segundo colocado no pleito, continuou como prefeito e agora corre risco de ser deposto por abuso do poder econômico e de meios de comunicação durante a campanha.



Escombros das casas destruídas pela tragédia de 2011 

No meio de 2011, a CGU, Controladoria Geral da União, descobriu indícios de movimentação fraudulenta na prefeitura municipal com R$ 7 milhões transferidos pelo governo federal à cidade.

A seleção chegou, as obras voltaram

A seleção de Felipão desembarcou nesta segunda-feira na Granja Comary para os treinamentos pré-Copa do Mundo e por coincidência - ou não - tratores voltaram ao bairro do Campo Grande na mesma semana.

Jorge Matos foi recebido na última terça no galpão que há 15 anos usa como carpintaria e marcenaria por membros do INEA e por soldados da polícia avisando que ele deveria se retirar. Um dia depois, a casa já estava no chão, e os restos estavam sendo recolhidos. Matos está sem trabalhar.

Três anos e quatro meses depois de ter conhecido o inferno, o Campo Grande ainda não se reergueu, nem se reerguerá tão cedo. As obras de recuperação ambiental em Teresópolis, realizadas com recursos federais, foram iniciadas em 2012 e só têm prazo de conclusão em 2016.
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