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segunda-feira, 24 de março de 2014

Brasil vive crise profunda e generalizada de valores, afirma ministra Eliana Calmon


Na primeira visita que fez a Teixeira de Freitas, na quarta-feira, 19 de março, a ministra aposentada do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e pré-candidata ao Senado pela Bahia, Eliana Calmon, levou um público de 2 mil pessoas ao Cenarium Eventos, ávidas por ouvir o que ela tinha a dizer sobre Ética e Gestão Pública. A palestra da ministra, promovida pela Fasb e Faculdades Pitágoras, teve a presença de juízes, promotores, advogados, professores, estudantes de Direito, além de políticos e admiradores. Todo o evento, considerado histórico em Teixeira de Freitas, foi transmitido ao vivo pela Rede Sul Bahia de Comunicação.

Referência nacional e mundial em relação a questões jurídicas, a baiana Eliana Calmon, de 69 anos, é uma das maiores autoridades no judiciário brasileiro, com atuação marcante na magistratura do país. Primeira mulher eleita para um tribunal superior no país, ela se notabilizou, ao longo de sua carreira, pelo combate à corrupção e pela coragem de dizer o que precisa ser dito. Em 2011, como corregedora do Conselho Nacional de Justiça, causou polêmica no país ao denunciar os “bandidos de toga”, referindo-se a alguns juízes corruptos.

Em sua palestra sobre “Ética e Gestão Pública”, Eliana Calmon fez uma retrospectiva histórica do que levou à corrupção no Brasil, que, segundo ela, vive uma crise profunda e generalizada de valores, convicções e segurança. “Todas as vezes que há uma ruptura rápida da sociedade existe essa crise de valores”, observou. “As descobertas da modernidade e a rapidez com que os meios de comunicação se multiplicaram estão causando toda essa confusão no nosso comportamento.”

A ministra lembrou que o mundo inteiro, principalmente os países ricos, está preocupado com ética e gestão, em razão dos gastos insuportáveis. E no Brasil, os gastos com corrupção e ineficiência estatal chegam a R$ 3 bilhões por ano.

Na análise de Eliana Calmon, a corrupção deriva da cultura individualista, em detrimento do sentimento de coletividade. A Constituição de 1988 teve como objetivo modificar esse modelo, mas ao longo do caminho acabou voltando ao que era, em grande parte por culpa do Judiciário, que teve muita dificuldade de assumir a nova estrutura porque os juízes não queriam perder seus privilégios. “Voltamos a pensar a sociedade individualmente, com patrimonialismo entre estado e sociedade – apropriação de recursos públicos em espaços privados – e o elitismo, que parecia ter sido banido, voltou a aparecer, agora substituído pela elite política que se apropria dos espaços públicos. E dentro desta ideia, a impunidade praticamente absoluta.”

Leis

De acordo com a ministra, o país tem instrumentos legais muito poderosos para punir a corrupção, mas não fiscaliza. Por isso a mudança na gestão pública não depende apenas da legislação. “Temos instrumentos que são combativos, mas são insuficientes para fazermos o controle da gestão, porque o que nos falta é ética, é noção de coletividade, é pensar nos outros.”

Os órgãos de controle do país – Tribunal de Contas do Estado e dos municípios, Ministério Público, Judiciário, etc - sempre existiram para não funcionar, afirmou Eliana Calmon. “Temos um faz de conta. O Poder Executivo faz a cooptação dos órgãos de controle, porque assim todos se tornam amigos e faz de conta que fiscaliza sem fiscalizar.”

No Brasil, disse ela, há um movimento de vai e vem, como se fosse a maré. “Apertamos o cerco, temos leis poderosíssimas, mas começamos a flexibilizar essas leis.”

As leis que tentam coibir a corrupção no Brasil foram aprovadas e implantadas unicamente por pressão internacional e, as mais recentes, por pressão popular, salientou a ministra. Citou como de fundamental importância nesse cenário a Lei da Improbidade Administrativa, a Lei de Acesso à Informação e a Lei da Ficha Limpa. De acordo com ela, a partir da Lei de Improbidade é que começaram a ser enquadrados também os colarinhos brancos, ou seja, todos aqueles que transacionam com coisa pública estão sujeitos a essa lei, desde o mais baixo até o mais alto escalão.

“A importância da Lei da Improbidade é tão grande que a PEC 37 já estava pronta para defenestrá-la, e foram as manifestações de junho do ano passado que fizeram com que fosse derrubada. Mas o perigo não passou porque o Congresso Nacional tem hoje 12 projetos de lei que praticamente inutilizam a atuação do Ministério Público”, alertou.

Apesar do quadro pouco otimista, Eliana Calmon acredita que o Brasil ainda tem conserto. “Estamos atravessando um momento complicado de muita violência e muita corrupção, mas não podemos perder a esperança”, destacou. “Acredito que, com o exercício da cidadania, com a participação popular, pode haver uma mudança.”

O que disse a ministra

Durante sua estada em Teixeira de Freitas, a ministra aposentada do STJ concedeu entrevista coletiva e participou do programa Comércio em Foco, apresentado na Rádio Cidade 87,9 FM. Nessas ocasiões, ele discorreu sobre assuntos importantes e atuais da realidade brasileira. Confira a seguir os principais trechos das entrevistas da ministra.

CANDIDATURA AO SENADO - “Entrei na vida política para fazer a diferença. Porque o meu entendimento é que a política brasileira está num momento crítico, vexatório, onde todos estamos horrorizados com o que se passa no Poder Legislativo.”

RECADO PARA A JUVENTUDE – “Ao assumir uma posição político partidária, quero mandar para a juventude do país um recado de que na política também ingressa quem nunca foi corrupto, quem nunca se utilizou da máquina estatal para chegar até aqui. Não deixem de tentar. O que acontece é que o lixo político faz com que as pessoas de bem se afastem da política e eles ficam dominando inteiramente. De forma que precisamos que cidadãos de bem, que querem o bem do Brasil, tomem as rédeas da política. A partir daí promovermos as mudanças necessárias.”

EMPREGO DE SENADORA – “Sou uma mulher de 69 anos, não terei vida política longa. Não estou procurando emprego. Tenho proventos da minha aposentadoria que chegam ao teto. Indo para o Senado sequer ganharei salário de senadora. O que estou buscando é uma resposta, como cidadã, para o que está acontecendo no país.”

FINANCIAMENTO DE CAMPANHA – “Acho que os partidos políticos têm de ser financiados pelos cidadãos, pelos empresários, pelo próprio governo, mas é preciso que haja um maior critério. O que se estranha são as absurdas cifras que se gasta numa campanha. Por exemplo, dizem que um governador não se elege por menos de R$ 150 milhões. De onde se tira esses R$ 150 milhões? Existe empresário que possa sacar isso dos seus cofres sem reposição? Lógico que isso não é possível. Acreditar nisso é acreditar em Saci Pererê. O salário que esses marqueteiros ganham é astronômico. Tudo na campanha triplica de preço, porque sai do dinheiro fácil que o empresário dá para receber depois. A partir daí começa a política do toma lá dá cá.”

PARTIDOS POLÍTICOS – “Os partidos políticos no Brasil são uma grande mentira. Parece que são instituições de propriedade privada, onde dois ou três políticos se apropriam do partido e passam a gerir o dinheiro desse partido. Está tudo errado. A reforma política tem de vir logo, mas está sendo retardada porque não interessa à classe dominante. Essa classe dominou inteiramente o panorama eleitoral brasileiro e não tem interesse que isso mude. Só quem tem interesse que isso mude são as pessoas que não concordam com esse toma lá dá cá.”

MORTE DO JORNALISTA GEL LOPES – “Estamos preocupados principalmente porque tivemos diversas tentativas de fazer com que a imprensa seja diminuída, que é um dos pontos mais sensíveis de qualquer regime que não quer a transparência. A imprensa na democracia é irmã siamesa da liberdade. No momento que querem calar a imprensa, que se voltam contra a imprensa, temos a maior das preocupações, porque, a partir daí, não teremos liberdade.”

APURAÇÃO DA MORTE DE GEL LOPES – “A falta de Justiça adequada, de Polícia adequada, não é algo que esteja só em Teixeira de Freitas. Isto vem pontuando o Brasil do Oiapoque ao Chuí. Nas cidades maiores, talvez a coisa seja mais diluída, mas nas cidades onde existe um dono, e me parece que é o caso, pelo que os senhores relatam, ainda temos essa grande preocupação. Se nós não sairmos deste novelo local, não vamos resolver. Para que possamos resolver isso, precisaríamos sair daqui para pedir providências às autoridades de cúpula que são encarregadas dos órgãos de controle – Ministério Público, através do procurador chefe, e à Polícia, através do secretário de Segurança Pública, não descartando ainda a própria Justiça, através do corregedor das cidades do interior. Todos esses órgãos de controle têm de ser chamados e colocados como responsáveis por uma investigação mais aguerrida, para que possamos paralisar esse não fazer das autoridades locais.”

JUSTIÇA SUBSERVIENTE – “O Brasil é um país onde a Justiça sempre esteve a serviço das classes dominantes, a classe política e a classe econômica, classes essas que sempre estiveram unidas e a justiça a serviço dela. A quebra de paradigma aconteceu a partir da constituição de 1988, com a mudança da estrutura do poder Judiciário. Mas essa mudança de estrutura, depois de 25 anos, ainda não foi suficiente para que a Justiça, mesmo a partir da sua cúpula, que é o Supremo Tribunal Federal, se desprendesse das elites políticas. “

FÉRIAS DE 60 DIAS PARA JUÍZES – “O juiz era uma classe considerada elite, e as elites neste país sempre foram privilegiadas e tiveram direitos diferenciados do resto da população. Estas férias de 60 dias são resquício desse tempo em que juiz era elite. No momento em que o juiz passa a ser não o Estado juiz, com toda a sua onipotência, mas um servidor público, ele não pode ser diferente dos demais servidores públicos. Como corregedora eu disse que não aceitava os dois meses de férias para a magistratura, o que causou um grande mal-estar.”

MENSALÃO – “O julgamento do mensalão, que nos deixou tão encantados porque pensávamos que estávamos inaugurando uma nova fase onde veríamos justiça e punição para os poderosos, lamentavelmente foi um grande engodo. E dessa forma presenciamos, nas duas últimas semanas, a lamentável mudança de atitude do STF a partir de novos ministros que chegaram à corte conduzidos por escolhas políticas.

Entendo que essas escolhas políticas foram feitas porque são pessoas que têm entendimentos diferenciados. Mas não foi tão diferenciado assim porque, a menos de seis meses, o próprio STF, através da relatoria da ministra Carmen Lúcia, julgou um crime de quadrilha e aplicou a lei com o entendimento de quadrilha que eu, como magistrada, tantas vezes apliquei.”

PROFISSÃO QUADRILHA – “Um novo conceito de quadrilha acaba de ser modificado pelo Supremo Tribunal Federal. E quero saber como vamos fazer agora, porque os quadrilheiros, como profissão, precisam de uma regulamentação. Um político não pode ser quadrilheiro, um empresário não pode ser quadrilheiro, porque o quadrilheiro é uma profissão definida pelo STF. Isso ainda não foi bem entendido pela classe jurídica, senão pelos grandes escritórios que estão na avenida paulista.”

REFORMA DO JUDICIÁRIO – “Depois que estive no Conselho Nacional de Justiça e conheci as entranhas do poder judiciário, verifiquei que o poder mais forte da República é o Legislativo, e só podemos fazer uma reforma do Judiciário a partir de uma reforma do Estado.”

MANIFESTAÇÕES DE RUA – “As manifestações de rua mexeram com as estruturas do poder. Nunca vi o Poder Legislativo tão acuado como aquele momento de junho de 2013, quando a população boa foi para a rua. Daí, imediatamente, a encomenda dos black blocs para haver a confusão e inibir a cidadania boa que foi para a rua gritar e dizer o que queria - serviços públicos, transparência e ética. Precisamos continuar com esta toada. Só assim vamos conseguir mudar o perfil da sociedade. “
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